Decisão do STF deixa dúvidas sobre a continuidade da cadeia produtiva da substância no Brasil, considerada cancerígena pela OMS
em 75 países, o amianto é considerado uma substância cancerígena pela Organização Mundial da Saúde. Estimativas indicam que mais de 100 mil trabalhadores no mundo morrem por ano pela exposição ao minério e suas fibras. No Brasil, a recomendação internacional contra o uso do minério esbarra na pressão de agentes econômicos. A cadeia do amianto impõe um contato direto com a substância a mais de mil trabalhadores.
Na Justiça, o embate entre a saúde no trabalho e a preservação da cadeia produtiva refletiu na divisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o uso ou não da substância. Uma recente decisão da Corte sobre a regulamentação do amianto ou asbesto do tipo crisotila criou um vácuo jurídico no que diz respeito à constitucionalidade do 2º artigo da Lei Federal 9055/95 que permitia a extração, industrialização, comercialização e distribuição do minério.
Na ocasião, o tribunal julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), que visava impugnar a lei de banimento de qualquer tipo de amianto em São Paulo sob o argumento de o Estado ter invadido a competência da União ao legislar sobre a regulamentação.
Em uma votação apertada, por 5 votos a 4, a maioria da Corte também julgou ser inconstitucional a lei federal que regulamenta o uso da substância no Brasil. A maioria não foi suficiente para a invalidação da lei, pois declarações de inconstitucionalidade dependem do voto de seis ministros.
A proibição do Amianto no País, e não apenas em São Paulo, pode ocorrer por outro caminho. Ao passo que validou a constitucionalidade da lei estadual que proíbe o minério, os ministros da Corte declararam incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo federal que permitia a cadeia produtiva do amianto crisotila no País. A celeuma jurídica deixa, porém, dúvida sobre o futuro do uso do amianto no Brasil.
Contra a lei federal, o ministro Celso de Mello explicou durante seu voto que os usos previstos do amianto ferem diversos dispositivos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o meio ambiente e a preservação da saúde.
Ao final da sessão, o ministro afirmou que o emprego do amianto “está, sim, vedado, porque o STF excluiu do sistema de direito positivo o artigo da lei federal”. O decano acrescentou ainda que o Tribunal “excluiu do universo jurídico nacional uma regra que permitia, ainda que mediante o uso controlado, o emprego do amianto”.
"Essa decisão vale para o Estado de São Paulo, que preserva a legislação paulista. Mas, ao mesmo tempo, representa um importantíssimo precedente do STF a respeito da mesma matéria que vai ser debatida a respeito da legislação fluminense", concluiu.
A presença de duas leis de regulação, porém, pode gerar um cenário de “anomia”, diz o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas Fernando Leal. Para ele, não está claro se o dispositivo federal possui caráter vinculante e eficácia em relação às demais legislações sobre o mesmo tema. “A lei federal teria como papel central estabelecer as diretrizes gerais para a regulação, fornecendo assim uma moldura dentro da qual os estados poderiam atuar”, afirma.
Mesmo com a decisão, as empresas com instalações nos estados que não possuem a proibição do minério seguem funcionando normalmente. Para o professor, onde não existem leis estaduais para a regulação do amianto há incerteza. No entanto, a Corte não parece estar propensa a aceitar leis que permitam o uso do asbesto.
“O cenário paulista dá espaço para que leis semelhantes tenham sua constitucionalidade aprovada. Mas o fato da declaração em relação a lei federal ser incidental, não me parece suficiente para que o Tribunal permita que as leis estaduais que reproduzam a federal tenham o mesmo parecer incidental”, completa.
Leal ainda considera a possibilidade de outros mecanismos regulatórios que podem dar margem à negociação com a Corte, como a substituição progressiva. Na mesma semana, a alternativa tomou forma com o decreto do prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella, que dispõe sobre a substituição progressiva de produtos que contenham o asbesto em sua composição.
Dentre as trinta modalidades do amianto, apenas uma era permitida até então. O amianto do tipo crisotila tem utilidade em quase três mil produtos, desde a construção civil até a indústria automobilística. No Brasil, é usado principalmente na indústria do fibrocimento, como em telhas, placas de revestimento e caixas d’água.
Apesar da grande utilidade, o asbesto já foi banido em 75 países. A decisão da Corte responde à tendência mundial e à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) que coloca o minério no principal grupo de substâncias cancerígenas. A estimativa no mundo é que cerca de 125 milhões de trabalhadores estão expostos ao amianto e 107 mil morrem por ano em decorrência de doenças relacionadas à exposição ao minério e suas fibras.
A regulamentação existente na lei federal previa o uso moderado da substância, com “limites de tolerância fixados na legislação” para a preservação da saúde do trabalhador. Por outro lado, o médico pneumologista Hermano Castro, que se dedica ao estudo das doenças causadas pela exposição ao minério, afirma não existir uso seguro do amianto.
Por Carta Capital