Levantamento da Unctad com 124 países mostra que emergentes seriam mais prejudicados que desenvolvidos; tensão global é crescente, mas situação de guerra completa é considerada improvável.
No pior cenário de uma guerra comercial entre todas as nações, as tarifas médias aplicadas às exportações brasileiras poderiam subir dos atuais 5% para 32%, concluiu um estudo da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) com 124 países.
Os números levam em conta uma guerra comercial total, na qual cada país estabeleceria tarifas unilaterais de uma perspectiva puramente comercial, e presumindo o fim dos acordos mútuos, explicou ao G1 o economista da Unctad, Alessandro Nicita, um dos autores do estudo.
Guerras comerciais são iniciadas quando um país impõe tarifas comerciais à importação de uma nação, que responde sobretaxando os produtos de seu concorrente.
O cenário foi desenhado em meio à crescente tensão entre Estados Unidos e os países afetados pela imposição de tarifas a vários setores estratégicos. As medidas levaram a China, União Europeia e o Nafta (Canadá e México) a anunciar retaliações e esquentar a disputa.
“O que vai importar mais será o impacto que as tensões comerciais podem gerar nos investimentos estrangeiros. Estou certo de que muitas multinacionais, grandes e pequenas, estão monitorando cuidadosamente essa disputa para avaliar se o risco de investir lá fora está ficando muito alto”, diz.
Na avaliação do economista, as tarifas decorrentes da guerra comercial terão efeito muito pequeno sobre o crescimento da economia mundial. Para Nicita, investimentos já iniciados podem se tornar menos produtivos do que o previsto inicialmente, “talvez não este ano, mas no próximo com certeza”, avalia.
As barreiras tarifárias sobre as exportações dos Estados Unidos subiriam 27 pontos percentuais no cenário mais pessimista, passando da média atual de 2,8% para 29,9%.
Neste cenário, a China seria ainda mais prejudicada: as tarifas aplicadas sobre seus produtos passariam de 3,5% para 39,6%, diz o estudo feito em parceria com os economistas Marcelo Olarreaga, da Universidade de Genebra, e Peri da Silva, da Universidade do Kansas.
Para o pesquisador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV, Livio Ribeiro, uma guerra total é um cenário possível, mas não provável. “Seria imaginar o pior, mas essa hipótese não pode ser descartada”.
Emergentes seriam mais prejudicados
A escalada do protecionismo no mundo pode ter um impacto mais severo sobre os mercados emergentes do que nas economias avançadas, alertou no início do mês o Banco Mundial, no relatório Global Economics Prospects.
“Setores altamente protegidos, como a agricultura e o processamento de alimentos, provavelmente estariam entre os mais afetados negativamente”, diz o órgão.
O estudo da Unctac aponta que muitos países pobres e em desenvolvimento seriam bem mais vulneráveis que o Brasil no cenário traçado.
No Haiti, as barreiras subiriam quase 85 pontos percentuais, passando de 12% para 97,3%. Em Honduras, as barreiras subiriam 63 pontos percentuais e, na Turquia, 43,9 pontos. No México, 59,8 pontos.
Nicita acredita que apenas os mercados mais competitivos conseguiriam sobreviver em uma guerra comercial total porque o fluxo internacional ficaria reduzido. “Isso não será bom para os países mais pobres”.
O canal comercial do Brasil é pouco relevante no exterior, de forma que os efeitos dessa tensão recairiam mais sobre seus grandes parceiros comerciais, como a China e a Argentina, na avaliação de Ribeiro, do IBRE.
"O Brasil não tem problemas de financiamento externo, mas o olhar dos investidores sobre os mercados emergentes está mais seletivo e isso afeta a entrada de estrangeiros no mercado de ações, já que eles vão pensar melhor onde colocar seu dinheiro", diz.
Veja abaixo a cronologia da tensão comercial no mundo:
2001: China entra oficialmente na OMC.
2006: Henry Paulson assume a secretaria do Tesouro dos EUA com a missão de reduzir o déficit comercial do país com a China.
2007: Departamento de Comércio ameaçam sobretaxas sobre a importação de papel da China.
2012: Durante a campanha presidencial, Obama e Romney discutiram as práticas comerciais da China.
2016: Na eleição, Trump chega a ameaçar elevar para 30% a tarifa sobre todos os produtos chineses.
Dezembro de 2016: Ao fim dos 15 anos para fazer mudanças propostas pela OMC, China não altera nada e continua a ser encarada apenas como economia "semi-aberta" por EUA e UE.
8 de março de 2018: EUA impõem sobretaxas ao aço e alumínioimportado de vários países.
22 de março de 2018: EUA anunciam tarifas de US$ 50 bilhões sobre 1,3 mil produtos chineses, alegando violação de propriedade intelectual.
2 de abril de 2018: em resposta a taxação, China impõe tarifas de 25%sobre 128 produtos dos EUA, como soja, carros, aviões, carne e produtos químicos.
5 de abril de 2018: China recorre à OMC contra tarifas dos EUA para o aço e alumínio.
5 de abril de 2018: Trump propõe sobretaxar mais US$ 100 bilhões em produtos chineses.
31 de maio de 2015: Trump retira isenção a tarifas sobre aço e alumínio da UE, Candá e México.
1 de junho: EUA oficializam imposição de cotas e sobretaxas à importação de aço brasileiro.
15 de junho de 2018: EUA começam a sobretaxar parte dos US$ 50 bilhões em produtos chineses. Outra parte é prevista para 6 de julho.
16 de junho de 2018: China surpreende com ameaças de novas tarifas, agora sobre o petróleo bruto, gás natural e produtos de energia dos EUA.
19 de junho de 2018: Trump ameaça impor tarifa de 10% sobre US$ 200 bilhões em bens chineses, em retaliação.
19 de junho de 2018: Pequim criticou "chantagem" e alertou que irá retaliar, em um rápido agravamento do conflito comercial.
22 de junho de 2018: União Europeia começa a cobrar tarifas de importação de 25% sobre uma série de produtos norte-americanos
22 de junho: Trump ameaça impor sobretaxas de 20% sobre exportações de veículos da União Europeia, um mês após concluir que as importações de veículos europeus representam uma ameaça à segurança nacional.
Fonte: G1