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Sindifisco, 20/11/2018

ARTIGO: Fisco muda de paradigma sem mudar a cultura de litígio

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Em atitude louvável e visando a mudança de paradigma na relação entre Fisco e contribuinte, o Estado de São Paulo instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária chamado “Nos Conformes”.
Segundo o texto da Lei Complementar Estadual 1.320/2018, o programa se pauta (i) na simplificação do sistema tributário; (ii) boa-fé e previsibilidade das condutas; (iii) segurança jurídica na aplicação da legislação; (iv) transparência; e (v) lealdade concorrencial. A lei ainda deixa claro que essas diretrizes devem nortear todas as políticas públicas, ações e programas da administração tributária estadual.
O Programa foi instrumentalizado com a fixação de critérios objetivo para classificação dos contribuintes de acordo com o seu perfil, levando em consideração o seu histórico de pagamentos, convergência da sua escrituração e perfil de fornecedores. Uma vez classificados conforme o rating estabelecido pelas autoridades, a legislação prevê a concessão de determinados benefícios para aqueles contribuintes bem ranqueados e, em contrapartida, a adoção de medidas restritivas para aqueles considerados devedores contumazes.
Grande parte dos benefícios e das medidas restritivas já estavam previstas em legislações esparsas e eram concedidas para determinados contribuintes via regimes especiais, sempre observada a discricionariedade afeta aos atos dessa natureza. O que o Programa traz de novo é a objetivação dos critérios em observância à classificação atribuída, além da previsão expressa dos novos critérios norteadores do tratamento a ser dispensado pelas autoridades aos administrados.
Inspirada pela iniciativa do Estado de São Paulo, a Receita Federal abriu Consulta Pública RFB 04/2018, por intermédio da qual pretende reunir contribuições da sociedade em relação ao seu Programa de Estímulo à Conformidade Tributária (Pró-Conformidade). Seu projeto observa moldes semelhantes ao do Estado de São Paulo, utilizando o mesmo método de classificação dos contribuintes no intuito de conceder benefícios ou medidas restritivas.
Ambos os programas têm como matriz a melhora da relação fisco-contribuinte, o que está em linha com projetos desenvolvidos pela OCDE no âmbito do BEPS, bem como o aprimoramento dos instrumentos de gestão que permitam às autoridades fazendárias focar os seus esforços naqueles contribuintes que apresentem maior grau de risco arrecadatório.
Muito embora seja possível discordar de alguns pontos específicos de cada programa, é certo que grande parte do mercado tem visto como positivos os novos princípios que passarão a balizar o relacionamento com os fiscos. A questão que se coloca, no entanto, é em que medida a sua prioridade será, de fato, conferir benefícios aos bons cumpridores de obrigações ou perseguir aqueles contribuintes que se encontrem classificados como mal pagadores.
Outra questão se mostra igualmente relevante: como se estabelecer uma relação de confiança mútua em um cenário em que as próprias autoridades resistem ao cumprimento de decisões judiciais, já que, recentemente, tivemos exemplos bastante emblemáticos acerca do ânimo tanto do Estado de São Paulo quanto da Receita Federal de desrespeitar decisões do STF?
No caso do Estado de São Paulo, contrariando a lógica da segurança jurídica do Nos Conformes, a SEFAZ/SP publicou o Comunicado CAT 06/2018 vedando expressamente o ressarcimento do ICMS devido por substituição tributária nos casos de venda dos produtos por valores inferiores àqueles que serviram de base de presunção. Essa vedação, contudo, se mostra em contrariedade ao julgamento da matéria pelo STF que, após longa discussão, pacificou o seu entendimento ao final de 2017 no sentido de que os contribuintes substitutos fazem jus ao ressarcimento do imposto nesses casos.
O que mais chama a atenção é que o referido Comunicado CAT veio ao ensejo da publicação de uma nova sistemática para o ressarcimento do ICMS por substituição tributária que, dentre outros aspectos, objetiva tornar mais simples, ágil e rápida a devolução do imposto pago nessa modalidade, a qual, ironicamente, foi a primeira medida concreta publicada no contexto do programa Nos Conformes, que tem a segurança jurídica como uma das suas diretrizes.
Já a Receita Federal publicou, em 18/10/2018, a Solução de Consulta Interna 13/2018, cujo teor expressa a interpretação do órgão acerca da decisão proferida pelo STF que reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS. Sob o pretexto de normatizar o cumprimento da decisão, a Receita acabou por mitigar significativamente o potencial benefício econômico esperado pelos contribuintes e, em alguns casos, até eliminá-lo.
Ora, se há resistência dos fiscos ao cumprimento de decisões judiciais proferidas pelo STF, o que se dirá da outorga de benesses aos bons pagadores de imposto, conforme estabelecido pelas respectivas legislações? O que se tem, em verdade, é a demonstração de que não basta aos fiscos estadual e federal a instituição de programas de conformidade tributária para inaugurar uma nova era na relação com os contribuintes, sendo necessário também uma mudança na cultura desses órgãos para que façam o elementar: respeitar o posicionamento do judiciário.
FELIPE PERALTA – advogado tributarista do CSA – Chamon Santana Advogados
Fonte: Jota