Apelidado de ‘missionário da cultura’, Danilo Santos de Miranda é reconhecido internacionalmente pelo trabalho à frente do Sesc de São Paulo, como gestor e diretor regional.
O apelido tem razão de ser: o destino só o levou ao Sesc porque desistiu de ser padre. O ex-seminarista se candidatou para uma vaga no sistema em 1968, pouco depois de abandonar o noviciado jesuíta na cidade paulista de Indaiatuba. O cargo não exigia experiência, mas “interesse em se relacionar com pessoas, com facilidade de comunicação…”. Era ele, pensou. Foi contratado e nunca mais deixou a instituição, assumindo a direção em 1984.
Sob sua batuta estão 44 centros culturais e mais de 7,5 mil funcionários que fazem girar uma estrutura que recebe meio milhão de usuários por semana. E conecta trabalhadores, artistas, empresários, políticos e intelectuais.
A atuação do sociólogo extrapola os limites da instituição. Danilo faz parte do conselho de entidades como a Bienal, o MASP, o MAM e a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Também presidiu o Conselho Diretor do Fórum Cultural Mundial (2004) e a comissão que organizou o Ano da França no Brasil, em 2009.
Aos 75 anos de idade, cinquenta deles dedicados ao Sesc, o sociólogo considera qualquer corte no orçamento do Sistema S causaria ‘danos terríveis’ ao País. A ideia foi assunto em vários governos e, dessa vez, está nas mãos de Paulo Guedes.
O superministro de Bolsonaro quer ‘meter a faca’ no Sistema S. Em evento com os executivos da Firjan, na terça 18, ele sugeriu cortes de 30% na verba das 11 entidades e explicou que, se os patrões não cooperarem, a derrama será maior.
Em entrevista a CartaCapital, ele assume a defesa da missão que ainda deu origem à entidades S ainda nos anos 1940, durante a Era Vargas. Rebate críticas de que os serviços são biscoito fino para as elites (“Se fosse verdade, eu mesmo seria contra”) e de que as finanças do sistema sejam uma caixa-preta.
Santos de Miranda mantém a esperança de que, quando ocuparem de fato a cadeira, os figurões do novo governo enxerguem o a importância do Sesc e das outras instituições do Sistema S. “O papel que elas cumprem é indispensável. E alguém tem que pagar essa conta“.
Confira a entrevista a seguir.
CartaCapital: Paulo Guedes falou em diminuir o repasse pela metade. Como um eventual corte desse tamanho afetaria o sistema?
Danilo Santos de Miranda: É um dano terrível para a sociedade, que impacta a vida de milhões de cidadãos. Essas instituições oferecem uma proteção social imensa, como existe em poucos lugares no mundo. E são invejadas lá fora.
CC: E as atividades do Sesc em São Paulo, mais especificamente?
DSM: Qualquer corte, de 10%, 20% ou 30% traria um prejuízo imenso. O maior exemplo são as novas unidades. Temos uma unidade prestes a ser inaugurada em Guarulhos e outras duas em projeto (Campo Limpo e Parque Dom Pedro). Seremos obrigados a rever todo o planejamento caso haja alguma perda.
CC: Em várias entrevistas, você diz que pouca gente sabe mesmo o que é o Sistema S. Como explicar isso?
DSM: A primeira coisa é entender o que somos de fato. Essa ideia de um Sistema S global é coisa mal explicada de comentarista. São várias instituições que atuam de forma independente em 25 estados.
Alguma entidade tem como missão formar para o trabalho, outras foram criadas para proporcionar bem-estar social: saúde, educação, cultura, lazer e alimentação. É esse o papel do Sesc. Quem quer fazer um curso de garçom, por exemplo, vai ao Senac.
CC: Ainda em campanha, circulou na imprensa que o governo planejava limitar a atuação do Sistema S à formação profissional…
DSM: Essas entidades cumprem um objetivo disposto na Constituição, e não podem ser remodeladas. Tem gente com ideias muito radicais em relação à cultura. Sem informações precisas, acham que cultura e educação beneficiam a elite.
Eu mesmo seria contra se isso fosse verdade. Mas cultura e educação são fundamentais para o País, fazem parte de um esforço enorme de entidades, do governo, da sociedade civil.
Ouvi um comentarista de rádio dizendo que o Sesc tem sedes suntuosas e instaladas em bairros de elite. É um absurdo. Nossas unidades estão em locais de fácil acesso, onde há metrô e ônibus. Também há vários centros em periferias.
Acabamos de inaugurar uma unidade na Rua 24 de Maio, no centro de São Paulo, lugar que muita gente considera decadente. E lá todo mundo pode entrar, de trabalhadores do comércio a moradores de rua.
CC: É quanto às construções das sedes? Esse mesmo Sesc foi projetado pelo Paulo Mendes da Rocha…
DSM: Nossas construções são feitas com materiais duráveis, pensando no custo-benefício. Daí a dizer que são suntuosas, quase luxuosas, é um caminho enorme…
CC: Muita gente defende que o fim da contribuição obrigatória, a exemplo do imposto sindical. É possível seguir em frente com esse modelo?
DSM: Não funcionaria sem contribuição. Existe uma cultura no Brasil, um modo de ver as coisas que dificulta o sustento via contribuições voluntárias. Historicamente, a contribuição voluntária tem uma variação muito grande, não garante a continuidade dos programas. E o Sesc tem um compromisso perene.
“Esse modelo das instituições do Sistema S pode até desaparecer um dia. Mas o papel que elas cumprem é indispensável.”
E alguém tem que pagar essa conta, sejam entidades, o estado, sociedade organizada. Mas alguém tem que fazer.
CC: Nem mesmo no estado mais rico do País?
DSM: Todo esse arcabouço cultura acabaria em poucos anos. É impossível mantê-lo com contribuições voluntárias. Essa parceria público-privada [do Sistema S] é uma conquista extraordinária. Podem até dizer que ultrapassado, é dos anos 40, mas a missão que inspirou a abertura do sistema se mantém necessária ainda hoje. É ainda mais necessária.
CC: Em outras entrevistas, o senhor diz que muita gente não entende subestima a importância do Sesc. Como mudar essa percepção?
DSM: Nós não nos preocupamos em fazer propaganda ostensiva. De um lado, poupamos recursos para as atividades culturais, mas por outro lado, circula pouca informação a respeito. Nossa grande publicidade são os resultados, está nas obras, nas ações do Sesc que retornam à sociedade. Mas é claro que não é possível auditar ações culturais como se fossem de uma fábrica.
CC: Há espaço para dialogar com esse novo governo?
DSM: O diálogo vai ter que acontecer. Tenho a impressão de que esse pessoal que assumiu o poder pensará diferente quando sentar na cadeira e entender as coisas como elas são. É o que me diz a minha experiência. Nesses mais de 50 anos, vi muita gente que não percebia a importância do Sistema S mudar de ideia quando viu as coisas de maneira mais clara. O momento agora é de ouvir, ponderar, argumentar com calma e tranquilidade.
CC: Como o senhor reage às críticas de que falta transparência no caixa do Sistema S?
DSM: Essa ideia de ‘caixa-preta’ é balela. Todos os dados são auditados pela CGU e TCU e estão disponíveis ao público no nosso site. Talvez tenhamos que melhorar no detalhamento das despesas, mas temos um nível razoável de transparência. Vieram a público nos últimos várias denúncias graves envolvendo relação público-privadas, é as entidades S não estão envolvidas em nenhuma delas. Se existe, são casos isolados.
Fonte: Carta Capital