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Sindifisco, 14/03/2019

Previdência de militares deverá manter privilégios

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Solicitado por parlamentares da base governista como condição para fazer andarem as negociações para aprovação da reforma da Previdência, o projeto de lei que trata das mudanças nas aposentadorias dos militares terá potencial para deixar o governo em uma situação difícil. Porque uma reforma de fato no que a União despende com os militares e seus pensionistas é incompatível com a composição do governo, com as bandeiras defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) historicamente e com a manutenção de apoios considerados fundamentais para que ele se mantenha com um mínimo de estabilidade no cargo. Por isso, as declarações feitas por Bolsonaro na quinta-feira, 7, durante a celebração dos 211 anos do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro, e após a polêmica na qual ele se envolveu no Carnaval, postando um vídeo pornográfico no twitter e insistindo no assunto, são apontadas como uma tentativa de requentar formas de apoio e não como qualquer sinalização de mudanças significativas na aposentadoria de militares.

Na solenidade, o presidente pediu sacrifício das Forças Armadas, mas emendou a garantia da continuidade de um tratamento específico e destacou a composição do ministério. “O que eu quero dos senhores é sacrifício também. Entraremos, sim, numa nova Previdência, que atingirá os militares. Mas não esqueceremos as especificidades de cada Força. Temos um Ministério formado de pessoas técnicas, pessoas comprometidas com o futuro do Brasil, que nos ajudam a conduzir essa grande nação.” Na sequência, completou que seu governo reconhecerá “o soldado brasileiro, tão esquecido nos últimos tempos.”

O fato é que, na prática, as mudanças adiantadas até o momento: mudar a regra geral que prevê em 30 anos o tempo que os militares devem permanecer na ativa, aumentando o prazo para 35 anos; e subir a alíquota única de 7,5% para 10,5%, nos chamados “encargos da União com militares e seus pensionistas” atingem de forma suave um emaranhado de legislações e exceções que possuem relação direta com as aposentadorias precoces e o déficit do sistema. Estas duas possibilidades ventiladas até agora podem ajudar a diminuir o déficit, mas passam longe de alterações no conceito de privilégios.

Militares dominam o primeiro escalão

Ao mesmo tempo em que a oposição e setores organizados tendem a destacar o tratamento diferenciado nas regras para os militares, e o impacto da diferença sobre todos os que contribuem para a previdência; o governo tem neles um de seus principais pontos de apoio. Mais do que isso, militares da reserva de alta patente dominam o primeiro escalão. E não há quem acredite que, com esta composição, Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército, vá de fato retirar o que a caserna, de forma majoritária, considera ‘direitos’ decorrentes do exercício de funções singulares.

A situação do próprio presidente já é usada como exemplo do imbróglio. Na metade de janeiro, integrantes do governo passaram a ventilar que Bolsonaro seria o garoto-propaganda do projeto da reforma geral da previdência (sem os militares), a PEC 6/2019, enviada à Câmara dos Deputados em 20 de fevereiro. A pretensão acabou prejudicada após o presidente, sem consultar a equipe econômica, e sem que houvesse ainda maiores mobilizações sobre o ponto, ter admitido que a idade mínima para mulheres poderia baixar dos 62 anos previstos na PEC para 60 anos. Não fosse o próprio Bolsonaro a atropelar a campanha publicitária em gestação (agora, por enquanto, a estratégia é que ele evite o tema), ela acabaria alvo de artilharia pesada da oposição.

Porque, prestes a completar 64 anos neste mês de março, o hoje chefe do Executivo passou para a reserva remunerada, como capitão do Exército, aos 33 anos de idade, em 1988, após apenas 15 na ativa.  Desde 1989, quando começou a exercer o primeiro mandato eletivo, acumula o recebimento da aposentadoria com os subsídios primeiro de vereador e depois de deputado federal. Desde o mês passado, está apto a encaminhar também sua aposentadoria como congressista, com teto de R$ 33, 7 mil. Ambas as aposentadorias (das Forças Armadas e da Câmara) podem ser acumuladas aos subsídios que ele recebe como presidente da República.

A exceção que permitiu a Bolsonaro a aposentadoria precoce está prevista no Parágrafo único do artigo 52 da Lei 6.880, de 1980, o Estatuto do Servidor Militar. O parágrafo prevê que, se em atividade, com cinco anos ou mais de serviço, o militar, caso dispute eleições e vença “será, no ato da diplomação, transferido para a reserva remunerada, percebendo a remuneração a que fizer jus em função do seu tempo de serviço.” É a  mesma regra aplicada recentemente ao tenente coronel Luciano Zucco, 44 anos, eleito deputado estadual mais votado para a Assembleia Legislativa gaúcha nas eleições de 2018, e que, em dezembro, também passou para a reserva remunerada.

Há outras formas de os militares pleitearem aposentadorias precocemente, como ocorreu com o atual ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes. Tenente-coronel da Aeronáutica, ele passou para a reserva remunerada em 2006, quando tinha 43 anos. No seu caso, a justificativa está prevista na lista de possibilidades elencada nos artigos 97 a 102 do Estatuto do Servidor Militar, que trata das quotas compulsórias e de uma série de outras situações envolvendo principalmente a questão da hierarquia. Em suma, na situação mais conhecida, quando não há vagas suficientes a todos os que cumprem as exigências necessárias para pleitear a ascensão a patentes superiores, é possível solicitar a inclusão na cota de transferência para a reserva remunerada. O artigo 100 estabelece que as quotas compulsórias só serão aplicadas quando houver, no posto imediatamente abaixo, oficiais que satisfaçam às condições de acesso. O 101 prevê que oficiais da ativa podem requerer sua inclusão na quota compulsória desde que contem mais de 20 anos de tempo de efetivo serviço.

O Estatuto regra também que ao passar para a inatividade o militar terá direito a tantas quotas de soldo quantos forem os anos de serviço, computáveis para a inatividade, até o máximo de 30 anos. Que, para efeito de contagem das quotas, a fração de tempo igual ou superior a 180 dias será considerada um ano. E que a proibição de acumular proventos de inatividade não se aplica aos militares da reserva remunerada e aos reformados quanto ao exercício de mandato eletivo, função de magistério ou cargo em comissão, ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados. Posteriormente, a Medida Provisória 2215-10, de 2001, regulamentada pelo Decreto 4.307/2002, também estabeleceu vantagens para situações ocorridas até o final do ano 2000.

TCU projeta déficit previdenciário de R$ 44,3 bilhões  para 2019 

Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o sistema previdenciário brasileiro divulgado na metade de 2017 apontou que, no ano anterior, 61% dos militares ingressaram na inatividade com menos de 50 anos. E, não mais que 2%, com 60 anos ou idade superior. Para mostrar que o percentual não era isolado, o TCU apurou os índices ano a ano desde 2007. Ainda conforme o relatório, as Forças Armadas somavam 369.690 militares na ativa em 2016 (sendo 290.668 contribuintes), ante 154.144 inativos e mais 188.924 pensionistas.

No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2019, o governo informou déficit projetado com o pagamento de militares inativos e seus pensionistas de R$ 42,6 bilhões para 2018 e R$ 43,3 bilhões para 2019. Nos RPPS (servidores civis), a conta projetada é de R$ 45,4 bilhões e R$ 44,3 bilhões, respectivamente. Em valores, os déficits se aproximam. Mas há duas diferenças importantes: em um regime o rombo aumenta, enquanto que, no outro, ele baixa. E isso acontece apesar de os dados sobre o número de inativos, referentes a 2016, mostrarem que há quase o dobro de inativos e pensionistas entre servidores civis na comparação com os militares. São 683.560 no primeiro grupo, ante 378.870 no segundo.

Uma categoria especial de servidores da Pátria

Há uma discussão de fundo que permeia todo o debate sobre as mudanças nas aposentadorias dos militares. É o fato de que eles constituiriam uma categoria especial de servidores da Pátria, acompanhada do entendimento de que os valores recebidos na reserva remunerada e na reforma não seriam uma aposentadoria, mas sim uma ‘prestação pecuniária de obrigação da União’, decorrente das peculiaridades da carreira militar. Que incluiriam, por exemplo, risco de vida e disponibilidade permanente, sujeição a disciplina e hierarquia rigorosas, dedicação exclusiva e exigência de vigor físico. Soma-se a estes pontos, ainda, a previsão de que os que estão na reserva poderão ser convocados a prestar serviço na ativa, em casos específicos.

O entendimento de que a remuneração dos militares na inatividade integra um regime de proteção social de natureza não contributiva, decorrente das singularidades da carreira, e não um benefício de natureza previdenciária, é enraizado entre os integrantes das Forças Armadas, endossado pelo Ministério da Defesa e garantido na legislação que trata das ‘obrigações da União com os militares e seus pensionistas’. O regramento legal estabelece, por exemplo, que a contribuição previdenciária dos militares financia exclusivamente as pensões, sem previsão de contribuição que sustente os custos com a inatividade. Na prática, isso significa que a União arca com o financiamento tanto dos que passam para a reserva remunerada como dos que são reformados.

Pelas regras gerais, o tempo de contribuição mínimo é de 30 anos, não há idade mínima para a aposentadoria, os militares vão para a reserva remunerada ou são reformados com soldo integral, sem submissão ao teto do Regime Geral, e os proventos recebidos têm paridade com os da ativa. O percentual descontado dos proventos de ativos e inativos é de 7,5% do soldo integral. E não há contribuição patronal.

As pensões para os cônjuges são vitalícias. Em 2001 houve uma pequena mudança, que impôs limite de idade ao direito à pensão das filhas de militares, estabelecendo uma contribuição de mais 1,5% para que filhas nascidas a qualquer tempo mantivessem o direito à pensão independentemente de idade, quando não há viúva ou companheira. Todos foram incluídos automaticamente como contribuintes da alíquota adicional, sendo que os que discordaram puderam solicitar a exclusão dentro de um período determinado. O benefício não vale para os que ingressaram após a mudança.
 
Fonte: Extraclasse