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Sindifisco, 25/01/2021

A revolta dos Malês completa 186 anos

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Completa hoje (25.01.2021) 186 anos da Revolta dos Malês, um dos levantes urbanos mais organizados e heroicos da longa luta pela liberdade dos escravos no Brasil.

 

Foi na virada da madrugada de 24 para 25 de janeiro de 1835 que esse movimento liderado por negros escravizados de origem africana/mulçumana, os Malês, sacudiu a capital baiana, Salvador.

 

Segundo o escritor José Carlos Ruy, “Um dos elementos que provocava tensão entre os revoltosos e o poder político e econômico da época era o fato de os africanos professarem várias religiões”, entre elas a fé islâmica, o que confrontava com o poder escravocrata católico repressor.

 

A luta dos Malês era pela emancipação dos escravizados e a liberdade para exercer os rituais religiosos. A Constituição brasileira de 1824 estabelecia no art. 5º que o catolicismo era a religião do Estado, a única com direito a celebrar cerimônias públicas e construir e manter templos, enquanto as religiões africanas eram perseguidas e tratadas como caso de polícia.

 

Os Malês eram negros cultos, alfabetizados (em árabe) e que organizaram “clubes” em vários bairros da capital e do Recôncavo baiano. Na organização, eles tinham fundo monetário que criaram para financiar a revolta – e também escolas islâmicas dedicadas, entre outras coisas, à alfabetização de africanos e ensinar a ler os livros do Alcorão escritos em árabe.

 

Os Malês estavam em contato com os escravos e negros forros de Salvador, o segmento de origem africana era amplamente dominante. Segundo historiadores, a revolta envolveu cerca de 600 negros. Para o historiador Clóvis Moura, não havia um programa político definido, a luta era “a conquista da liberdade, o fim do cativeiro”.

 

Em menos de 24 horas, a revolta foi derrotada pela repressão policial e militar. Foram mortos em combate mais de cem revoltosos. Centenas foram presos, submetidos quase todos a penas de açoites, prisões, deportações e fuzilamento.

 

Porém, o nível de organização, o heroísmo de seus protagonistas é e foi motivo de estudos em particular nas obras de Clóvis Moura (Rebeliões da Senzala) e de João José Reis (Rebelião Escrava no Brasil – A História do Levante dos Malês em 1835).

 

A repressão foi brutal. Foram mortos em combate mais de cem revoltosos. Centenas foram presos, submetidos quase todos a penas de açoites (o número de chibatadas era contado às centenas para cada réu), prisões, deportações e fuzilamento. Como registrou Clóvis Moura, cinco líderes da rebelião foram condenados à morte, e fuzilados (pois não houve quem os enforcasse) em 14 de maio de 1835: “os libertos Jorge da Cunha Barbosa e José Francisco Gonçalves e os escravos Gonçalo, Joaquim e Pedro. Condenados à forca, não encontrou o governo carrascos que os executassem. Tiveram de ser fuzilados, com as honras de soldados”.

 

Os historiados também destacam que embora não representassem a hegemonia religiosa das pessoas africanas escravizadas, os Malês tinham um peso significativo por serem uma população que sabia ler, escrever e eram dotados de uma cultura bem mais larga do que muitos senhores de escravos.

 

As razões das diversas revoltas ocorridas no século XIX foram a insatisfação com a escravidão, o regime de humilhação, torturas e assassinatos e a discriminação racial praticada contra eles, e o ódio e a intolerância religiosa praticada pela Igreja Católica contra africanos de várias tradições religiosas, que os forçava a se converter ao catolicismo.

 

Clovis Moura, no seu livro Rebeliões da Senzala (2014), escreve que as relações de trabalho opressivas e totalmente baseada no trabalho escravo, determinavam todo o conjunto da sociedade baiana naquela época, tendo os escravos um peso substancial na população daquela província, onde para uma população de 858.000 habitantes em 1824, existiam 524.000 pessoas escravizadas, além dos índios que viviam num regime de semiescravidão e dos alforriados, que tinham uma vida quase idêntica à das pessoas escravizadas, tanto nas condições de trabalho, como na condição de vida na sociedade baiana.

 

“Por não ser uma religião de raiz étnica, mas de caráter universal, o Islam tinha também o potencial de unir africanos de várias origens, retirando dos escravistas a vantagem política da divisão com aqueles” (Reis, 2003 p. 248).