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Sindifisco, 16/07/2018

Os crimes de sonegação por trás das estrelas da Copa

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Espanha, com liga local com grandes craques, concentra muitos dos casos por sua peculiaridade tributária. Mais punição coíbe, mas não acaba com fraudes

Quantias exorbitantes de dinheiro em contratos, negociações e salários fazem parte da rotina dos jogadores do mais alto escalão do futebol mundial.

Hoje em dia é comum que o atleta receba, além do salário mensal, porcentagens de suas transferências, valores em direitos de imagem de propagandas do próprio clube e de outras empresas e até bônus, conhecidos pelos boleiros como luvas. Mesmo com tantos privilégios, são vários os casos de profissionais que se esforçam para diminuir a carga tributária em cima de suas receitas, sendo acusados da prática de sonegação de impostos. Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo, Modric, Marcelo, Mascherano e Diego Costa só são alguns dos exemplos que desfilaram seu futebol nos gramados da Copa do Mundo da Rússia, mas que precisaram frequentar tribunais nos países onde moram.


Entre os casos de célebres jogadores julgados, três terminaram com decisão desfavorável aos futebolistas: Mascherano foi condenado a um ano de prisão, Messi a 21 meses e Cristiano, a dois anos – além de multas, nos três casos. De acordo com a legislação espanhola, penas abaixo de 24 meses de reclusão só exigem prisão caso o juiz determine, o que não aconteceu em nenhum dos casos. Marcelo, que também seria condenado, chegou a um acordo com o Governo espanhol reconhecendo sua fraude e se comprometendo a pagar os valores devidos. Modric é outro na mira do fisco do país, mas que ainda não foi julgado; todos os exemplos, assim também como os de Pepe e Özil, da época que jogavam no Real Madrid, têm relação com valores recebidos a título de direitos de imagem pelos jogadores, ocultados da tributação na Espanha enquanto estes atuavam e residiam no país. Além dos casos de direitos de imagem, existem ainda outros envolvendo Filipe Luís, Diego Costa e James Rodríguez, todos parceiros do empresário português Jorge Mendes, que estão sendo investigados por fugir do fisco espanhol colocando dinheiro recebido nas suas próprias transferências em bancos de outros países.

“Acho que fica mais fácil dividir os casos em dois blocos”, afirma Rafael Marchetti Marcondes, advogado e professor doutor em Direito Tributário da Escola Paulista de Direito, ao começar sua explicação a respeito da prática adotada pelos jogadores de futebol. “Uma grande parte da discussão tem relação com os direitos de imagem; valores recebidos pelos jogadores por campanhas publicitárias externas ao clube. Em outro bloco estão reunidas particularidades de cada jogador e sua transação, que não dizem respeito à imagem, como são essas dos jogadores do Jorge Mendes”.

Na Espanha, onde aconteceram todos os casos listados, a tributação do salário de um jogador de futebol é de 47%. A dos direitos de imagem recebidos pelo atleta do clube é menor, em torno dos 28%. Para fugir desses pagamentos em casos onde os valores vêm de empresas de fora do território espanhol, o procedimento comum dos jogadores é abrir uma empresa em outro país (na maioria dos casos, paraísos fiscais, que tributam a renda em porcentagens menores) e transferir a negociação dos seus direitos de imagem para ela. “O que ele [o atleta] recebe de imagem de um clube espanhol, ele tributa na Espanha. Mas o que recebe, por exemplo, por uma campanha publicitária gravada no Japão, ele não tributa nas regras espanholas”, explica Rafael. “Como quem negocia os direitos de imagem é uma empresa, por exemplo, na Suíça, o entendimento do jogador é que o pagamento de uma empresa japonesa para uma empresa suíça não precisa passar pelo fisco espanhol”. Porém, o fato dos atletas residirem na Espanha faz com que o Governo investigue e puna a estrutura montada por eles.

“Existem infrações mais estranhas”, revela Marcondes, se referindo a casos de sonegação que não envolvem a artimanha voltada aos direitos de imagem. “Certa vez, o Barcelona fez doações a uma fundação de Messi como parte do pagamento ao argentino que seria tributado a título de salário. Como a ação tinha um viés assistencial, o Governo espanhol, além de não tributar, ainda abatia esse valor do imposto de renda do clube”. Quando o fisco da Espanha descobriu, Messi e Barça concordaram em pagar o valor devido antes do processo ser aberto. “Essas operações eu acho complicado defender, ao contrário da estrutura feita para o direito de imagem”, opina Rafael.

Por que a Espanha?
Não é por coincidência que todos os casos citados são de jogadores que moram ou moravam na Espanha. Além da liga local ser cheia de estrelas, o que chama a atenção pelas grandes quantias envolvidas nos casos de sonegação, a legislação espanhola tem especificidades que fazem com que ela seja mais severa nas questões tributárias, principalmente quando elas envolvem a estrutura montada pelos jogadores para não pagar imposto sobre seus direitos de imagem. “A lei espanhola diz que toda pessoa, física ou jurídica, pode ter sua renda tributada, seja ela fruto de benefício direto ou indireto”, explica o advogado. Ou seja: se o fisco espanhol interpretar que o jogador é beneficiário indireto do valor recebido pela sua empresa (que negocia os direitos de imagem e seria a beneficiada diretamente), mesmo ela sediada fora da Espanha, ele pode ter sua receita tributada. “É com base nessa abertura da legislação, do termo ‘indireto’, que o fisco de lá vai atrás dos atletas. É defensável [por parte dos jogadores] porque empresa e pessoa física são patrimônios distintos, mas a lei dá margem para essa outra interpretação”.

Recentemente, o lateral Marcelo admitiu ter sonegado valores de direito de imagem e chegou a um acordo com o governo espanhol para pagar o devido. Segundo Rafael, acordos como este são cada vez mais comuns nesses casos também por conta de uma particularidade na lei espanhola. “Quando o fisco encontra uma quantia sonegada, inicia um processo de três instâncias no qual o atleta pode se defender. Mas, se a decisão na primeira instância for contrária a ele, o jogador já pode ser obrigado a cumprir até seis anos de prisão”, comenta Marcondes. “Esse modelo coage o réu a querer pagar logo ao invés de discutir. No Brasil, por exemplo, a reclusão só viria depois das três instâncias”.

Refletindo sobre o futuro, Rafael Marcondes afirma que as recentes punições provam uma postura mais restritiva do Governo espanhol e devem inibir a prática dos jogadores residentes no país. “Mas não vai acabar. Como os valores são estratosféricos, sempre que houver uma possibilidade de pagar uma carga tributária menor, o atleta vai buscar esse caminho”, conclui.

O CASO NEYMAR
Maior estrela da seleção brasileira na Copa do Mundo, Neymar também ganhou notoriedade por conta de acusações de fraudes fiscais no Brasil e na Espanha. Em território brasileiro, o atacante obteve vitória parcial no ano passado em um dos casos que o investigava por ter sonegado impostos omitindo receitas em empresas do seu pai, que representavam o craque. “A legislação brasileira permite o uso de empresas em outros países para ter uma redução de carga tributária. Dá margem para discussão, mas ele tem mais chances de sucesso [que na Espanha]”, explica Rafael Marchetti. No país europeu, Neymar é investigado por conta do envolvimento em um suposto caso de corrupção relacionado à transferência do hoje jogador do PSG do Santos para o Barcelona, em 2013. “O Barcelona, na época, fez um empréstimo para o Neymar, assumiu a garantia e o clube perdoou o valor quando se transferiu para a Espanha. Foi algo bastante atípico”, afirma Marchetti.Neymar ainda será julgado pela suposta fraude. Já o ex-presidente do Barça, Sandro Rosell, está na prisão há mais de um ano  por corrupção.

Fonte: El País