Comunicação-Notícias

Sindifisco, 10/10/2018

OPINIÃO: Quem será o herói que conseguirá corrigir a tabela do IR

Por CLÁUDIO DAMASCENO

Propostas são de arrepiar. Sem correção na canetada

Os presidenciáveis finalmente se deram conta de que a tabela do IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) está defasada, hoje, em 88,4%, conforme cálculos que o Sindifisco Nacional disponibiliza todo mês de janeiro, assim que é fechado o IPCA do ano anterior.

Porém, as propostas que têm surgido para que esse prejuízo contra o trabalhador seja mitigado são de arrepiar, tal a desconexão com a realidade, o que pode indicar que coisa boa não vem por aí.

Como o Brasil é uma democracia, e todos pretendemos que assim continue para sempre, a tabela do IR não será corrigida na base da canetada, nem tampouco passará ao largo do Congresso.

É preciso lembrar que a Constituição, no Artigo 153, parágrafo 2º, inciso I, determina a progressividade da carga tributária – para quem não se lembra do texto, ei-lo: “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”. Assim, estabelecer uma alíquota única de 20% ou mesmo uma máxima de 20% seria ferir essa lógica, pois a carga maior incidiria nos menores salários.

Tem mais. Como fazer isso sem uma proposta de emenda constitucional, que prevê um quórum elevadíssimo (3/5 da Câmara dos Deputados), análise em comissão especial, aprovação de relatório e votação em dois turnos nas duas casas do Legislativo?

Sem contar que a receita perdida terá de ser compensada de outra forma, o que levar a crer que alguém ou alguns sairão perdendo os recursos de que hoje desfrutam. Essa é uma equação complexa de fechar, sobretudo porque envolve vários agentes, todos com força política e que há muito se acostumaram a pregar nas costas da sociedade parte dos seus prejuízos.

Outra ideia de alguns presidenciáveis, ainda relacionada à tabela do IR, é isentar quem ganha até cinco salários mínimos (R$ 4.770,00) de recolher na fonte – atualmente, quem recebe pouco mais de R$ 1.903,98 mil já paga imposto. Bonita do ponto de vista eleitoral, mas pouco factível do tributário. Nem no estudo que o Sindifisco Nacional apresenta sobre a defasagem se chega a um número tão radical de isenção, pois, caso houvesse correção – o que não acontece desde 2015 – só seriam taxados no holerite vencimentos acima de R$ 3.556,56.

A partir de agora é que as coisas se complicam. Uma maneira de elevar essa faixa de isenção seria colocar um ponto final nas renúncias fiscais e desonerações de folha. Mas o atual governo largou um rombo de R$ 23 bilhões, para 2019, como alertou a Receita Federal, dias atrás. Essa conta no próximo ano bate em R$ 306,4 bilhões, pelos cálculos encaminhados ao Congresso no Projeto de Lei Orçamentária Anual.

Esmiucemos o que consta desse buraco negro contábil. Naquilo que tange à folha de pagamento, este ano deixam de entrar R$ 14,7 bilhões – para 2019 a projeção supera os R$ 9,5 bi. No Programa Especial de Regularização Tributária (Pert, Lei 13.496/17), o rombo entre 2017 e 2032 passará de R$ 62 bilhões. No Programa de Regularização Tributaria Rural (PRR, Lei 13.606/18) outros R$ 7,6 bilhões até 2033. E no Programa de Regularização Tributária de Estados e Municípios (Prem), R$ 12,6 bilhões a menos em 15 anos.

O Sindifisco Nacional desde sempre condena suspensões ou reduções de pagamento de tributos. Sabe que as contrapartidas são frouxas, sem metas definidas e desprovidas de instrumentos eficientes de mensuração. E nessa seara não está sozinho, pois relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) foi taxativo ao afirmar que as renúncias não têm qualquer fiscalização sobre seu efetivo resultado.

Pergunto: que presidente mexerá com isso, mesmo que prense em fazê-lo nos primeiros 100 dias de lua-de-mel com Congresso, sociedade e empresariado?

Em 2013, o Sindifisco Nacional lançou uma campanha que sugeria a correção da defasagem da tabela do IR gradualmente, com compensações para a arrecadação que seria perdida. Uma delas seria o retorno da cobrança de lucros e dividendos de empresas e acionistas, proposta que voltou à moda entre as candidaturas.

A taxação existiu até 1995, mas, na época, o governo Fernando Henrique Cardoso achou que suspendê-la seria um bom dispositivo para captar e manter recursos no Brasil, que precisava consolidar o Plano Real e atravessar as turbulências externas sem depender de aportes do FMI (Fundo Monetário Internacional). Se tornou uma benesse cuja eventual retirada causa arrepios em muita gente.

Detalhe: o potencial arrecadatório, caso essa cobrança volte, seria pelos R$ 18 bilhões anuais.
Também nestas eleições se falou muito em fazer o “andar de cima” da sociedade contribuir mais com o esforço de diminuir a distância entre as camadas da população, outro aspecto da proposta do Sindifisco Nacional levada à Câmara dos Deputados em 2013. Naquele momento, sugerimos a criação de uma espécie de IPVA para embarcações e aeronaves não comerciais, que poderia ser aplicado na melhoria da malha viária urbana e seus modais.

Até porque, lembremos que o entregador de pizza e o cidadão que se tornou motorista de aplicativo – porque a vaga na empresa em que trabalhava foi fechada devido à recessão – pagam anualmente Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores. Um para sua motocicletinha, outro para seu carro e ganha-pão. Assim, seria justo que quem desfruta de uma lancha ou jet-ski, ou mesmo utiliza jatinho ou helicóptero para se locomover a fim de não depender da pontualidade dos voos comerciais, tem condições de pagar mais que manutenção, eventual tripulação e estacionamento em marina ou hangar.

O acerto gradativo da tabela do IRPF representa arrecadação menor e, portanto, diminuição de investimento. Com a promessa de aumentar a qualidade de vida do cidadão de média e baixa renda pelos presidenciáveis, um novo imposto voltado para a mobilidade significa a aplicação indireta em melhoramentos no trabalho, na saúde e na educação. Não se discute, porque é fato, que o tempo perdido por uma grande massa de cidadãos no transporte urbano traz reflexos na produtividade e no aprendizado, afetados pelo cansaço e pelo desconforto.

A preços de hoje, o potencial de arrecadação desse novo tributo seria de R$ 4,7 bilhões anuais, em média.

Mas, a essa hora, você deve estar se perguntando: por quê essas propostas, que poderiam ajudar a trazer justiça tributária, aumentando a faixa de isenção do IRPF, nem sequer foram debatidas no Congresso? Porque não houve vontade política, simples assim. Quando não se corrige a tabela, e, portanto, se cobra mais que o devido, a União pratica uma apropriação indébita, retém recursos que não lhes pertencem.

Não existe um único governo que abra mão de uma arrecadação dessas, de má qualidade e que vem praticamente por gravitação. E com o nível de renovação que se prenuncia para o próximo Congresso, dificilmente a nova equipe econômica conseguirá convencer o núcleo político do Palácio do Planalto a comprar brigas que representam tirar do bolso de quem tem poder de pressão para por no daquele que, há muito, se habituou a pagar por todas as contas que lhe são apresentadas.


Cláudio Damasceno*, 43 anos, é administrador de empresas e auditor-fiscal da Receita Federal desde 2002. Baiano de Salvador, está no segundo mandato (biênio 2014/15 e triênio 2016/18) à frente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal/Sindifisco Nacional.